Curvas Baixas: O que todo paraquedista deveria saber

“Sou muito cuidadoso na navegação. Nunca faço curvas baixas.”

Provavelmente você já ouviu alguém dizer isso antes. Pode ser até você mesmo ser uma das pessoas que diz isso. Você também pode pensar que a maioria das pessoas envolvidas em acidentes de baixa curva querem se exibir fazendo pousos radicais usando velames pequenos e com grande carga alar. Esses acidentes poderiam diminuir se as pessoas simplesmente dessem atenção ao aviso que a maioria dos alunos recebe em seu curso: curvas baixas são perigosas. Não faça.

Muitas escolas e áreas repetem este aviso todo diariamente. Algumas áreas até baniram completamente as “hook turns”. Mesmo assim, os paraquedistas continuam a sofrer acidentes com velames totalmente funcionais. Novamente, você pode pensar que a maioria dessas pessoas são paraquedistas imprudentes que ignoram os avisos e quebram as regras. Surpreendentemente, porém, o oposto costuma ser verdadeiro.

Imagine-se nesta situação: você acabou de fazer um ótimo salto e está fazendo sua aproximação normal para a área de pouso. Você está de frente para o vento, 100 pés de altitude, planejando aquele flare perfeito e um pouso suave. Tudo está conforme planejado.

De repente, você percebe algo com o canto do olho. Você olha para a esquerda e vê outro velame na mesma altitude que você, muito perto, indo para o mesmo ponto no solo. O outro paraquedista não vê você. Você vai colidir. 

Instintivamente, você puxa o batoque da direita para baixo para evitar a colisão. Você faz uma curva e desvia, mas agora seu velame está mergulhando direto para o chão. A terra está subindo rápido demais. Você percebe que algo muito ruim vai acontecer quando seu corpo bater no chão. Momentos depois, alguém está olhando para você e perguntando: “Você pode me ouvir? Não se mexa, ok?” Alguém está gritando: “Chamem uma ambulância!”

Paraquedista fazendo pouso radical

Existem dezenas de histórias como esta, histórias sobre pessoas que se machucaram fazendo curvas baixas enquanto tentavam evitar obstáculos, outros velames, ou apenas tentando virar de vento de nariz. A maioria dessas pessoas não estava se exibindo sob minúsculos velames elípticos. Na verdade, a maioria estava voando com velames considerados adequados para seu peso e nível de experiência. O paraquedista acidentado é frequentemente descrito como alguém que “normalmente não faz curvas baixas”.

É fácil alertar as pessoas sobre os perigos das curvas baixas ou até mesmo proibir as pessoas de fazê-las, mas é óbvio que isso não aborda totalmente a verdadeira natureza de o problema. A maioria das pessoas que se machucam fazendo curvas baixas não tem a intenção de fazê-las; eles apenas entram em uma situação inesperada e reagem da maneira errada. 

Embora devemos sempre ficar longe de obstáculos e outros velames, e virar contra o vento em uma altura segura, também devemos aprender como reagir quando o inesperado acontecer. Não podemos “apenas dizer não” às curvas baixas. Elas precisam ser aceitas pelo que são: uma manobra que todo paraquedista pode e deve aprender a fazer com segurança e da maneira correta.

CURVAS BAIXAS VS. HOOK TURN

Antes de prosseguir, devemos entender a diferença entre uma curva baixa e o que é comumente referido como uma “hook turn”. Em uma hook turn – curva de gancho, o paraquedista intencionalmente puxa um batoque ou um tirante da frente numa altura relativamente baixa. O velame vira, mergulha e ganha velocidade à medida que o paraquedista fica quase na horizontal com o velame e depois volta para baixo do velame. Se a altura e a razão de descida forem julgadas corretamente, a velocidade extra aumenta a sustentação do velame e permite o paraquedista deslizar perto do chão por vários segundos antes de tocar o mesmo, o famoso swoop. 

Quando um paraquedista tenta evitar um obstáculo, um velame ou pousar a favor do vento fazendo uma curva fechada, o velame reage da mesma maneira. Infelizmente, este paraquedista geralmente não considera sua altura ou razão de descida e pode se chocar contra o solo antes mesmo do velame se recuperar da manobra e ele voltar para baixo de seu velame. Em casos extremos, o bordo de ataque do velame pode atingir o chão antes do paraquedista.

Hook turn com paraquedas

É ruim só de pensar… Vamos tentar outra abordagem.

Suponha que um paraquedista que precise fazer uma curva baixa, pudesse fazê-la sem que o velame mergulhasse em direção ao chão. E vamos imaginar que a pessoa pudesse fazer uma curva lenta e plana, mantendo o velame acima de sua cabeça e mantendo uma baixa taxa de descida. Se o paraquedista pudesse virar 90 graus ou mais sem perder muita altura. Se a pessoa pudesse fazer isso, ela poderia evitar o obstáculo e ainda pousar suavemente.

“Curvas planas” ou “flat turns” são uma das coisas mais úteis que você pode fazer com um velame e podem ser a única maneira de evitar um perigo iminente à baixa altura sem colidir com o chão. Infelizmente, 2 entre 3 paraquedistas nunca são ensinados sobre come fazer a flat turn. Na verdade, os instrutores geralmente passam muito tempo desencorajando os alunos a não voar dessa maneira.

FOBIA DO VOO LENTO

Os alunos costumam ter o hábito de segurar os batoques na altura das orelhas, em vez de deixar o velame voar a toda velocidade (voo total), especialmente na final para pouso. Como resultado, os instrutores estão constantemente insistindo para que “deixem voar”. Alguns alunos ficam nervosos em fazer curvas com seus velames muito rapidamente, então os instrutores os incentivam a “puxar o batoque totalmente para baixo” para perderem o medo de fazer isso. Dizer a um aluno para voar freado e fazer curvas lentes muitas vezes parece a coisa errada a fazer.

Aluno navegando com o paraquedas

Depois de alguns saltos, e após se acostumar com o velame, quando os alunos aprendem rapidamente que puxar o batoque até o fim não apenas deixa seus instrutores felizes. Também é muito divertido. Porém, as espirais de 360 graus devem ser evitadas por questões de segurança no tráfego de velames. Apesar disso, os alunos também descobrem que seus pousos melhoram quando eles mantêm as mãos para cima e “deixam voar” na final antes do flare.

Infelizmente, muitos de nós nunca passam dessa abordagem “mãos para cima, mãos para baixo” do controle do velame. Gastamos pouco ou nenhum tempo voando com nossos velames freados, e basicamente ignoramos uma parte significativa do alcance de controle do velame. Então, um dia, acabamos em uma situação difícil a baixa altura, sem as habilidades necessárias para lidar com a situação com segurança. Nossas reações normais de mãos para cima e para baixo nos traem em nosso momento de maior necessidade.

PUXANDO OS FREIOS

Passando algum tempo pilotando seu velame no voo total, você explorará uma gama de manobrabilidade que muitos paraquedistas nem sabem que existe. Você pode aprender a obter um novo nível de desempenho de seu velame e desenvolver habilidades que podem salvar sua vida em uma situação difícil. Os exercícios a seguir podem ajudar a aumentar seu nível de confiança sob o velame e guiá-lo em direção a uma transição importante nas habilidades de pilotagem do velame. 

Comece puxando os batoques até o nível do peito ou a meio freio. A velocidade de avanço do velame diminuirá, assim como sua taxa de descida. Tente girar puxando um batoque um pouco mais para baixo, deixando outra um pouco para cima, ou fazendo um pouco de ambos. Observe como o velame vira, mas realmente não mergulha. Você terá, na verdade, uma razão de descida mais baixa ao virar assim do que se o velame estivesse voando em linha reta e nivelado em planeio total.

Paraquedista navegando no meio freio

É possível fazer curvas de 90 graus ou mesmo 180 graus com meio-freio enquanto perde muito pouca altitude. Puxando os batoques até a cintura ou 3/4 dos freios, você pode fazer o velame virar ainda mais rapidamente sem mergulhar. Nesse caso, é melhor levantar um pouco um dos batoques, ao invés de puxá-lo, pois o velame ficará próximo ao ponto de estol. Se você nunca estolou seu velame, você pode querer praticar isso antes de brincar com curvas com 3/4 de freio.

Para estolar seu velame, vá para 3/4 de freio. Em seguida, continue puxando os batoques para baixo lenta e uniformemente, enquanto mantém o velame na direção. O velame vai desacelerar e então balançar para trás ao parar de gerar sustentação. Se você continuar a segurar os batoques, o velame despressurizará e começará a se mover para trás. As extremidades podem até dobrar para trás em uma interessante forma de U. Não se assuste. A sensação pode ser um pouco desconfortável no início, mas ajudará você a aprender a reconhecer o início de um estol. Para se recuperar de um estol, basta voltar os batoques lenta e uniformemente até o pré-estol. O velame vai inflar novamente e começar a voar normalmente.

Se você voltar os batoques para cima muito rápido ou de forma desigual, o velame pode se inclinar para frente ou virar. Em velames pequenos pode até causar o fechamento das células da ponta ou um twist. Se isso acontecer, lembre-se de fazer os procedimentos de check como está acostumado.Se tudo isso for um pouco desconfortável para você, tente primeiramente estolar algumas vezes com os tirantes traseiros.

Estolar com tirantes traseiros são geralmente mais dóceis e ajudarão você a se acostumar com a sensação. Apenas segure os batoques e ao mesmo tempo os tirantes traseiros o mais alto que puder e depois puxe lentamente até o pré-estol e depois até o estol. Para recuperar, levante os braços lentamente até o pré-estol, segure por um momento, e depois volte ao voo total. Seu objetivo deve ser aprender como e quando seu velame está quase no pré-estol e o ponto de estol. Em seguida, você irá reconhecer a sensação do estol e tentar manter o velame sem que ele faça um giro por conta própria. Depois levante seus batoques um pouco, como faria ao se recuperar de um estol e sinta o voo no pré-estol. 

Paraquedista usando flare para pousar

Experimentar com essas técnicas o ajudará a se sentir confortável ao pilotar seu velame nos freios. Como acontece com qualquer nova manobra, estol, voo lento e flat turns devem ser praticados primeiro em uma altitude alta. Sempre fique de olho em outros velames e lembre-se de que sua primeira prioridade é olhar para onde vai virar procurando um espaço aéreo completamente liberado. Também deve se manter sobre a área de espera e ficar sempre de olho na altura.

A realização do estol com velames elípticos não é recomendado, pois há uma boa chance de ele desenvolver um twist que pode levar a grande perda de altura para recuperar. O estol de tirantes traseiros pode ser feito em velames elípticos, mas é uma boa ideia experimentar o estol em velames mais dóceis antes de tentar fazer com os elípticos. 

À medida que você ganha confiança e experiência, pode querer tentar as flat turns em uma altura mais baixa, talvez voando todo o seu padrão de pouso com meio freio. É melhor não tentar fazer isso até que você tenha praticado em uma altura mais elevada e tenha um entendimento completo de como seu velame irá reagir. É extremamente importante evitar estolar seu velame perto do solo. Além disso, certifique-se de não criar uma situação de perigo para outras pessoas que estejam no tráfego.

Progresso do pouso

Você provavelmente vai voltar ao voo total, mas esteja ciente de que seu velame pode não ter tempo de se recuperar se você fizer isso muito baixo. Sempre eleve os batoques lenta e uniformemente, e tente voltar ao planeio total pelo menos 10 segundos antes do flare. Evite movimentos bruscos e repentinos e esteja pronto para fazer um rolamento apenas no caso de você pousar com mais força do que o esperado. É possível pousar um velame com meio freio sem voltar para o planeio total (dependendo do velame), mas o pouso pode não ser macio o suficiente para ficar em pé. O flare muito alto pode fazer com que o velame pare de se deslocar para frente e desça verticalmente com mais velocidade ao chão. Novamente, você deve estar sempre pronto para fazer um rolamento.

É uma boa ideia praticar o pouso com freios, no entanto. Se você tiver que fazer uma flat turn perto do solo para evitar um perigo, pode não ter altura suficiente para levantar os batoques (voo total) e depois fazer o flare.

Ao praticar o voo lento e flat turns a baixa altura, você aprenderá o quão longe você pode ir e o quão perto do chão você pode fazer isso. Você estará mais bem preparado para surpresas desagradáveis e menos propenso a colisões ao se deparar com uma situação inesperada.

A PEGADINHA DO VELAME

As técnicas descritas aqui são apenas básicas. Flat turns são tão importantes para um paraquedista iniciante aprender pousar suavemente em pé, talvez mais importante. É melhor aprender essas técnicas sob um paraquedas grande e relativamente dócil, que é o que um aluno ou novato tradicionalmente estaria usando. Um velame grande com baixa carga alar é o ideal. Atualmente, no entanto, muitos iniciantes estão comprando velames menores, com alta carga alar antes de aprender tudo sobre pilotagem de velame.

Paraquedista realizando curva

Aqui está a pegadinha. Um velame menor precisa de mais velocidade de avanço para carregar seu peso do que um velame maior, e terá uma razão de descida maior, mesmo quando voado com meio freio. O pouso com meio freio pode não ser muito confortável, pois requer uma técnica de flare precisa que pode levar centenas de saltos para ser aperfeiçoada. Se você tentar esse tipo de pouso com um velame menor, pode desanimar rapidamente e desistir dessa técnica sem nunca dominar. Infelizmente, é ainda mais importante saber voar e pousar com freios se você saltar com um velame menor. Um velame menor pode estolar rapidamente sem muito aviso, perderá altura muito mais rápido em uma curva e pode facilmente levá-lo de encontro com o chão se você fizer algo errado a baixa altura.

Esta é uma vantagem de saltar um velame grande em suas primeiras centenas de saltos. É mais seguro experimentar um velame maior e mais fácil de desenvolver as habilidades que você precisará para voar velames menores com sucesso. 

Velame grande

Não importa que tipo de velame você use, você precisa entender todo o seu alcance de controle e como ele reage a diferentes velocidades no ar e a diferentes ações que você executa. Você também deve se sentir tão confortável com um velame quanto usando os tirantes dianteiros.

Muitas vezes, alguém sai de um pouso ruim dizendo: “Tive sorte de não me machucar.” A sorte é ótima se você está jogando pôquer, mas é preciso mais do que sorte para fazer um pouso de paraquedas suave e com segurança. Aprender a usar os batoques e fazer flat turns corretamente colocará algumas cartas na manga para aqueles momentos em que sua sorte acabar.

E lembre-se, as informações contidas aqui são apenas informativas, nunca faça algo sem antes consultar um instrutor experiente. E uma dica pessoal, invista em curso de pilotagem de velames, isto vai ajudar muito na sua performance e principalmente na sua segurança. Blue skies!


REFERÊNCIAS:

Gostou do artigo? Compartilhe!

Deixe o seu comentário!

Se inscrever
Notificação de
guest

0 Comentários
Inline Feedbacks
Ver todos os comentários

Este site usa cookies para garantir que você obtenha a melhor experiência em nosso site.